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Como o cérebro aprende uma língua?

Como o cérebro “aprende” uma língua? Por que algumas pessoas tem mais facilidade para aprender línguas do que outras? Por que esquecemos algumas coisas que acabamos de aprender? Estas e outras perguntas foram respondidas num bate-papo que tivemos com a Sara Stradiotto, aluna de doutorado em Lingüística pela Universidad Nacional Autónoma de México (UNAM) e professora de Espanhol do CACS Línguas por 4 anos.

Uma das buscas interessantes de sua área é sobre como o cérebro “aprende” uma língua. A capacidade de falar uma língua existe em todo ser humano (que não tenha alguma patologia da linguagem, obviamente). A língua materna, por exemplo, é aprendida de maneira natural, sem esforços, no núcleo familiar – daí o nome “materna”, dado que a mãe é o principal input – e nas relações sociais.

Já a língua estrangeira é aprendida de maneira artificial e, por isso, demanda esforços. Aqui, vale uma analogia com o esqueleto humano. Ao nascer, o ser humano tem em torno de 350 ossos. Ao longo da vida, alguns desses ossos se juntam, se reduzindo para 206 ossos em um humano adulto. Do ponto de vista tanto do bebê como do adulto, o seu esqueleto é uma vantagem. Ossos menores e em maior quantidade garantem ao bebê uma maior flexibilidade para caber na barriga da mãe e para passar pelo estreito canal vaginal na hora do parto. Por outro lado, isso não lhe dá suficiente resistência para poder ficar em pé.

Com a língua, acontece algo semelhante. Em torno da 21ª semana de gestação, adquirimos a capacidade de ouvir. Ouvimos a voz da nossa mãe e começamos a assimilar o que ela fala. Ao longo dos primeiros anos de vida, percebemos os sons que são importantes para nos comunicarmos e ignoramos os que não são. Então, aprender a falar tem mais a ver com descartar aquilo que não interessa, do que realmente aprender alguma coisa que não existia antes.

Do ponto de vista do bebê, não falar é uma vantagem, pois lhe dá a capacidade de aprender qualquer língua do mundo. Do ponto de vista do adulto, essa especialização em apenas alguns contrastes de sons são o que lhe permite falar uma língua. Agora, a dificuldade em aprender uma língua estrangeira trata-se de ensinar ao cérebro um caminho contrário ao que ele percorreu. Aqueles sons e significados que foram ignorados durante os primeiros anos de vida devem, agora, ser assimilados. Só que o cérebro já os ignorou! É como voltar a quebrar os ossos.

Dessa forma, é fato que aprender uma segunda língua facilita a aprendizagem de outras, pois embora você não tenha aprendido a terceira ou quarta língua, você já treinou o seu cérebro para desconstruir o que ele havia assimilado na língua materna. Assim, metade do trabalho já está feito.

Ainda sobre língua estrangeira, algumas pessoas tem mais facilidade pra aprender línguas que outras. São múltiplos fatores. Levando em conta a idade, e conforme mencionado anteriormente, quanto mais jovens, menos descartados estão os sons das línguas que nos são estranhas. Isso explica porque os jovens tem mais facilidade em aprender línguas do que as pessoas mais velhas. Outro fator que ajuda a determinar essa facilidade é a quantidade de estímulo que recebemos. O cérebro que está em contato com a língua estrangeira apenas 2 horas por semana assimila os sons e significados de maneira muito mais lenta do que aquele que o faz por 10 horas por dia.

Temos ainda alguns processos significativos na aprendizagem de uma língua estrangeira quanto analisamos o fato de esquecermos algumas coisas que acabamos de aprender. Isso acontece porque realmente não aprendemos! Podemos chegar a entender o funcionamento de determinado sistema, mas nosso cérebro não julgou necessário guardar essa informação. E, sinceramente, ele tem razão! Para que gastar energia em lembrar de uma palavra em inglês se, para a minha sobrevivência, é muito mais importante lembrar que deixei uma panela no fogão? Entretanto, ainda tratando do esquecimento, é impossível esquecer uma segunda língua completamente, a menos que o falante padeça de patologias como AVC.

Já sobre as dificuldades de assimilação e apropriação do som da língua estrangeira, cabe considerar as questões motoras mais que as cognitivas.  À medida em que ignoramos os sons que não interessam às nossas relações sociais, nosso aparelho fonador (dentes, língua, pulmão, cordas vocais, etc.) cria automatismos na produção dos sons que usamos mais.

Para finalizar, veja o seguinte exemplo: tive uma bicicleta na infância que freava quando eu pedalava em sentido contrário. Não sei se você conhece esse tipo de freios. Quando ganhei uma bicicleta nova e mais moderna, com os freios na altura do guidão, as minhas primeiras “freadas” tinham alguns milésimos de segundo de atraso, pois, primeiro, eu pedalava para trás, e só então me lembrava de que deveria usar as mãos.

Tive que desconstruir um automatismo que meu corpo já havia criado. O problema de pedalar para trás quando os freios estão nas mãos, também acontece em uma língua estrangeira. Quando escutamos um som que não temos na nossa língua, por exemplo, [θ], e enviamos ao nosso aparelho fonador um comando para reproduzi-lo, nosso corpo “responde” com aqueles sons que já estão automatizados (para um falante do português, normalmente [t] ou [s]).

Sara é candidata a doutora em Lingüística pela Universidad Nacional Autónoma de México (UNAM). Ela tem interesse na representação do espaço e do tempo nas línguas do mundo,  gosta de bicicletas e tem um bebê.

  • Glaura maio 25, 2016 at 1:14 pm

    Estou cursando Starter no CACS, e na aula passada aprendemos sobre stepfather e stepmother, então voltei pra casa pensando… Que grande sacana foi esse Henri Ford de associar o termo step ao carro, sim, porque o termo já existia antes da invenção do automóvel, e o mais incrível é que o povo americano aceitou… Veja só, o pneu do carro murcha, o cara vai lá e coloca um stepmother novinho no lugar e sai todo bonitão, depois de largar o velho lá no borracharia, passa um pobre miserável com o carro caindo aos pedaços, vê aquele stepmother jogado lá e pensa… _Não tenho dinheiro pra comprar um novo, vou levar essa merda velha mesmo que deve me servir pra quebrar o galho… Francamente rsssx@$$…

  • Fernando Ferreira setembro 7, 2017 at 9:04 pm

    Para um bebé não há línguas difíceis. Ao fim de 2 ou 3 anos qualquer criança fala a língua que os pais lhe ensinaram.
    Mais, se os pais forem de nacionalidades diferentes e tiverem o cuidado de ensinar à criança as duas línguas, ela consegue aprender ambas com relativa facilidade.
    Não há na Europa línguas mais dispares que o português e o húngaro. Tenho uma amiga que foi viver para a Hungria há 10 anos, lá casou com um húngaro e tem dois filhos de 8 e 6 anos. Vieram os 4 este ano passar férias a Portugal e eu fiquei maravilhado com a facilidade com que as crianças se exprimiam em português. Um grande aplauso para a mãe, sobre quem recai o mérito exclusivo deste facto, já que isto sucede única e exclusivamente graças à sua perseverança

  • Lucas Santa Clara novembro 1, 2017 at 10:08 am

    Boa matéria! Ou seja, nosso cérebro é brain é preguiçoso! E realmente, decorar, aprender ou até mesmo lembrar de uma palavra ou frase em outro idioma não é importante, pois ele já sabe oq tem pra se manter “vivo” no meu caso, minha língua nativa o PT-BR. Mas se enganam quem pensa que eu estou dando moleza ao meu cérebro! Ele vai sofrer, mas vai aprender o English, nem que seja no tranco!

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