logo_cacs
NextPrevious

Bilinguismo vem de berço!

Em 2003, ainda quando eu era aluno de graduação, eu ajudei uma amiga minha, Débora H. Souza — hoje professora no Departamento de Psicologia da Federal de São Carlos — a coletar os dados para a pesquisa de doutoramento dela. Foi uma pesquisa bem interessante. Sem entrar em muitos detalhes (posso falar da pesquisa dela em uma outra postagem), basicamente, ela estava interessada na aquisição dos conceitos (estados mentais) descritos pelos verbos ingleses think e know. Em português, o verbo think pode ser traduzido por dois verbos: “pensar” (I’m thinking right now) ou “achar/não ter certeza” (I think I’ll come back later).  O mesmo ocorre com o verbo know: pode ser traduzido como “conhecer” (I know that guy) ou “saber/ter certeza” (I know what’s inside the box). Em termos bem gerais, a Débora estava interessada em saber como se dá a aquisição desses termos em crianças brasileiras e americanas.

Semana passada, durante uma “faxina” no nosso laboratório, eu encontrei, além de uma caixa de disquetes de instalação do SPSS (old stuff), um CD com os vídeos utilizados pela Débora para a coleta dos dados dela. Nos vídeos, dois garotos interagiam em uma conversa onde eles utilizavam pseudo-verbos (verbos que não existem) para descrever os estados mentais saber, conhecer, achar e pensar. Como a Débora coletou dados no Brasil e nos Estados Unidos, essas crianças tinham que interagir tanto em inglês quanto em português. Para esses garotos, isso não foi problema: eles falavam português e inglês perfeitamente. Eles eram bilingues. Mais especificamente, eles eram o que chamamos de bilingues simultâneos (aqueles que aprendem as duas línguas ao mesmo tempo).

Eu acho isso simplesmente fascinante. Acho fantástico a maneira como crianças expostas a mais de uma língua (duas, três, até quatro) conseguem aprender todas as línguas de maneira sistemática, sem esforço e se tornam competentes — falantes nativos — em todas línguas. Mas afinal de contas, onde isso começa? Existem muitas pesquisas mostrando que a preferência pela língua materna começa bem cedo, antes mesmo de nascermos. Isso mesmo. Várias pesquisas mostram que, com apenas algumas horas de vida, as bebês preferem escutar sons da língua materna do que sons de línguas estrangeiras. Mas será o que acontece quando existem duas ou mais línguas maternas? Será que bebês demonstram uma preferência específica?

Essa foi a pergunta que um grupo de pesquisadores do Canadá e da França tentaram responder. Krista Byers-Heinlein (Concordia University, Québec), Tracey Burns(Organization for Economic Development, França) e Janet Werker (University of British Columbia, BC) investigaram a língua de preferência de um grupo de bebês recém-nascidos (com no máximo 5 dias de vida) filhos de mães monolingues e bilingues (Inglês-Tagalog/Filipino). Mas afinal, como se mede preferência de bebês? Uma técnica bastante utilizada é a chamada “técnica de sucção”. Os pesquisadores dão ao bebê uma chupeta especial que grava a pressão e a frequência com que o bebê “suga” a chupeta. Quanto maior a pressão e a frequência da sucção, maior o interesse do bebê no estímulo sendo apresentado (no caso dessa pesquisa, as línguas Inglês e Tagalog).

Os pesquisadores encontraram que os bebês filhos de mães monolingues mostraram uma preferência maior para o Inglês do que para o Tagalog. No entanto, os bebês filhos de mães bilingues não mostraram preferência maior por nenhuma das duas línguas, ou seja, as duas línguas tinham o mesmo grau de preferência. Eles ainda testaram a capacidade dos bebês de diferenciarem as duas línguas e encontraram que tanto os bebês bilingues quanto os bebês monolingues foram capazes de diferenciar entre as duas línguas. Esse resultado demonstra que apesar de não mostrarem nenhuma preferência, as crianças bilingues “sabiam” que se tratava de duas línguas diferentes.

Apesar de ser ainda um dos primeiros estudos sobre percepção linguística de bebês bilingues, os resultados mostram que a experiência linguística pré-natal de alguma maneira já influência suas preferências. Ou seja, cuidado com o que fala com o seu bebê, ainda que ele esteja na sua barriga! 🙂

NextPrevious