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As Vantagens Cognitivas de um Programa de Imersão em Língua Estrangeira

Uma das minhas principais linhas de pesquisa é aquisição da linguagem. É por isso que uma das coisas que mais gosto de fazer é observar a maneira como crianças aprendem a falar. É ainda mais fascinante para mim — e super intrigante — a rapidez com que crianças pequenas se tornam proficientes em uma língua estrangeira. Com praticamente um ano — ou até menos — de “contato” com uma língua estrangeira, os pequenos já se comunicam na língua estrangeira (e obviamente na materna) com uma facilidade e proficiência que assustam.

É grande, em psicolinguística, o número de pesquisas sobre os processos que ocorrem na cabeça de um falante bilíngue. Essas pesquisas têm cada vez mais mostrado evidência de que esses falantes ativam as duas línguas (L1 – língua materna e L2 – língua estrangeira) simultaneamente durante a leitura, escuta e, surpreendentemente, durante a fala. Basicamente o que essas pesquisas mostram é que não existe uma estratégia cognitiva automática que “desliga” uma língua enquanto a outra está sendo usada. É por isso que falantes bilíngues, na verdade, enfrentam um “desafio” cognitivo quando usam uma das línguas que sabe. De certa maneira, é esse desafio cognitivo enfrentado pelo falante bilíngue que faz com que falantes bilíngues tenham certas vantagens cognitivas (em termos de funções executivas) quando comparados com falantes monolíngues. Em outras palavras, falar mais de uma língua faz bem traz vantagens cognitivas a longo prazo.

Ao mesmo tempo que observamos crianças aprendendo uma língua estrangeira numa facilidade e rapidez assustadora, notamos que falantes adultos apresentam uma dificuldade muito grande em se tornarem proficientes em uma língua estrangeira. Muita gente acredita no que chamamos de “período crítico”, ou seja, se não aprender uma língua estrangeira até uma certa idade, as chances de se tornar proficiente nessa língua são poucas, quando nenhuma. É como se existisse uma “ampulheta biológica” para aprender uma língua estrangeira. Uma vez que a areia caiu toda, seu prazo venceu.

No entanto, o que pode criar essa dificuldade na aquisição de uma língua estrangeira para o adulto, pode não ser um portal biológico que se fecha depois de certo tempo, e sim uma competição cognitiva entre as duas línguas. Em outras palavras, é mais difícil para um adulto “desligar” a ativação da sua L1, dificultando assim o uso da L2.

Muitas pessoas têm a crença de que para que um adulto se torne proficiente em uma língua estrangeira é necessário que esse adulto esteja imerso em um ambiente onde a língua estrangeira em questão é falada o tempo todo. Em outras palavras, um brasileiro adulto se torna mais proficiente em inglês se morar nos Estados Unidos ou na Inglaterra, por exemplo. Por que será que isso ocorre? Uma hipótese seria que um ambiente de imersão facilita a inibição (desligamento) da L1, consequentemente, a ajuda no desenvolvimento da L2.

Jared Linck, Judith Kroll — do Departamento de Psicologia da Universidade do Estado da Pensilvânia — e Gretchen Sunderman — do Departamento de Línguas Modernas da Universidade do Estado da Flórida nos Estados Unidos — fizeram um estudo (publicado na Psychological Science) para testar essa hipótese. Basicamente eles testaram dois grupos de aprendizes de espanhol (falantes nativos de inglês): um grupo que estudou espanhol durante seis meses na Espanha e um grupo que estudou espanhol durante seis meses em uma universidade dos Estados Unidos. Cada grupo participou de uma tarefa de compreensão conhecida como translation recognition task e de uma tarefa de produção (verbal fluency task). Além disso, os participants fizeram tarefas de memória (reading-span) e de controle inibitório (Simon effect task).

A tarefa de compreensão consiste na apresentação de uma série de pares de palavras — uma na língua estrangeira e sua tradução na língua materna (i.e., cara-face). Ao ver o par, o participante deve indicar se a tradução está correta ou não. No entanto, durante a tarefa são introduzidos alguns pares que:

(1) apresentam uma tradução incorreta, porém a tradução é parecida com a palavra na língua materna (i.e., cara-card)

(2) apresentam uma tradução incorreta, porém a tradução é semanticamente relacionada com a palavra na língua materna (i.e., cara-head)

(3) apresentam uma tradução incorreta, porém a tradução é fonologicamente semelhante a tradução correta na língua estrangeira (i.e., cara-fact)

Pesquisas mostram que falantes proficiente em uma língua estrangeira são menos sensíveis a distratores do tipo (3). Isso ocorre pois falantes proficientes devem ser mais capazes de “inibir” a língua materna.

A tarefa de produção verbal consiste na produção de o máximo de palavras possíveis de uma dada categoria. Por exemplo, em 30 segundos, os participantes tinham que falar o maior número possível de animais. Pesquisas mostram que falantes bilíngues produzem menos palavras por categoria, tanto na língua materna quanto na língua estrangeira.

A tarefa de memória (reading-span) é clássica e consiste em mostrar os participantes uma série de frases e palavras para serem lembradas. O número de palavras lembradas corresponde ao “tamanho” da memória de curto-prazo. A tarefa de controle inibitório é parecida com o famoso Stroop test, onde você vê a palavra VERDE escrita de vermelho e precisa dizer o nome da cor da letra e não o que está escrito. Em outras palavras, você precisa inibir um processo para engajar em outro.

Os resultados do estudo mostraram que em todas as tarefas linguísticas, o acesso a L1 foi menor para o grupo que participou da imersão. Esse padrão continuou mesmo após o controle de outras variáveis, tais como proficiência e experiência linguística com a língua estrangeira anterior ao programa de imersão (vale a pena dar uma olhada no estudo original e na técnica estatística utilizada pelos autores — Multilevel Modeling). Muita gente pode pensar que esse resultado ocorreu não por que houve inibição da língua materna e sim por que houve uma maior exposição à língua estrangeira (um efeito de frequência, quase). Para controlar isso, os autores testaram uma amostra dos participantes que fizeram o programa de imersão seis meses depois que retornam aos Estados Unidos. O padrão dos resultados foi praticamente o mesmo. Se somente o contato com a língua estrangeira fosse responsável pelo padrão de resultado, esperaria-se que ao retornarem aos Estados Unidos a inibição da língua materna seria novamente dificultada.

Outros controles interessantes e outras análises foram feitas no estudo. Vale a pena dar uma olhada. Basicamente o estudo mostra que, a vantagem que um programa de imersão tem para a aquisição de uma língua estrangeira não está na simples exposição à essa língua, e sim no impacto que essa exposição tem no controle inibitório da sua língua materna. Mais uma vez, não há dúvidas de que a exposição à uma língua estrangeira traz vantagens cognitivas que nenhuma outra tarefa pode trazer.

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